Proteção e Flexibilidade Trabalhista Pós-Enchentes

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21 de junho de 2024

Seção 1 – Direitos e Medidas de Proteção à Continuidade do Emprego

Além dos auxílios já tratados, como o saque calamidade do FGTS, parcelas adicionais de seguro-desemprego, suspensão do recolhimento do FGTS pelos empregadores e antecipação do abono salarial, visando a continuidade do emprego, outros benefícios foram ofertados tanto pela Lei 14.437/2022, quanto pela Recomendação nº 02/2024 do Ministério Público do Trabalho (MPT), as quais estabelecem diretrizes e medidas para proteger as relações de trabalho. A seguir, são comentados esses direitos e as implicações das referidas normativas.

1.1 – Implementação do Teletrabalho
É dever do empregador garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável. Em situações de calamidade, como enchentes, medidas adicionais de segurança devem ser adotadas para proteger os trabalhadores.
Nesse sentido, os empregados têm o direito de exercer suas atividades remotamente sempre que possível, minimizando os riscos à saúde e à segurança durante o período de calamidade pública. Essa medida protege os trabalhadores de condições perigosas ou inviáveis de deslocamento e presença no local de trabalho afetado.
A implementação do regime de teletrabalho será determinada pelo empregador, não sendo necessário acordo individual ou coletivo, tampouco alteração no contrato individual de trabalho. Tal medida poderá vigorar por 90 (noventa) dias, sendo prorrogável enquanto perdurar o estado de calamidade pública.

1.2 – Antecipação de Férias Individuais
Os empregados poderão ter suas férias individuais antecipadas, assegurando uma fonte contínua de renda durante o período de emergência. Esta medida permite que os trabalhadores permaneçam seguros em seus domicílios enquanto a situação se normaliza.
Para a antecipação das férias individuais, o empregado deverá ser notificado pelo empregador com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, contendo a identificação do período a ser usufruído, podendo ser concedido ainda que o período aquisitivo não tenha transcorrido. Ademais, as férias antecipadas não poderão ser em períodos inferiores a cinco dias.
A legislação também permite a antecipação de períodos futuros de férias, o que deverá ser formalizado por meio de acordo individual escrito, firmando entre empregado e empregador.
Por fim, o pagamento da remuneração das férias concedidas poderá ser efetuado até o quinto dia do mês subsequente ao início do aproveitamento, ficando autorizado o pagamento do adicional de 1/3 (um terço) relativo às férias concedidas durante o período após a concessão, a critério do empregador, até a data em que é devida a gratificação natalina (20 de dezembro de cada ano).

1.3 – Concessão de Férias Coletivas
A concessão de férias coletivas é outra medida que protege os trabalhadores, permitindo que todos os colaboradores de uma empresa usufruam de férias simultaneamente. Tal medida assegura que os empregados não percam sua remuneração durante a interrupção temporária das operações empresariais.
A decisão de concessão de férias coletivas ficará a critério do empregador, sendo dispensada a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional. Os empregados deverão ser notificados acerca das férias coletivas com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, sendo permitida a concessão por período superior a 30 (trinta) dias.

1.4 – Aproveitamento e Antecipação de Feriados
O calendário de trabalho das empresas poderá ser ajustado de modo a permitir que os empregados usufruam antecipadamente de feriados federais, estaduais, distritais, municipais e religiosos, proporcionando períodos adicionais de folga durante a calamidade. Esta medida é essencial para garantir que os trabalhadores disponham de tempo adequado de descanso e segurança.
Para a antecipação de feriados, os empregados deverão ser notificados pelo empregador por escrito, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, contendo a indicação expressa dos feriados aproveitados.

1.5 – Adoção de Banco de Horas
O banco de horas permite a compensação de horas extras trabalhadas com folgas futuras, ou vice-versa. Tal medida proporciona uma flexibilidade essencial, permitindo que os empregados ajustem seus horários de trabalho de acordo com as necessidades da empresa e das condições impostas pela calamidade.
Fica autorizada, portanto, a interrupção das atividades de trabalho pelo empregador e a constituição de regime de banco de horas, estabelecido mediante acordo individual ou coletivo escrito, para compensação em até 18 (dezoito) meses. A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou de acordo individual ou coletivo.

1.6 – Qualificação Profissional
Conforme a disposição do artigo 476-A da Consolidação das Leis Trabalhistas, os trabalhadores têm direito à suspensão do contrato de trabalho para qualificação profissional, recebendo, durante este período, uma bolsa do seguro-desemprego. Tal medida garante que os empregados possam desenvolver novas habilidades e aprimorar suas qualificações profissionais durante a interrupção das atividades normais de trabalho.

1.7 – Redução da Jornada de Trabalho e do Salário
A legislação autoriza o empregador a reduzir proporcionalmente a jornada de trabalho e o salário de seus empregadores, contanto que o valor do salário-hora de trabalho seja preservado. Tal medida deverá ser pactuada por convenção coletiva de trabalho, por acordo coletivo ou acordo individual de trabalho.

1.8 – Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho
O Ministério Público do Trabalho, visando a proteção do emprego e da renda, recomenda que os empregadores evitem a suspensão temporária dos contratos de trabalho de seus colaboradores.
Contudo, tal medida possui amparo legal e permite que o empregador suspenda temporariamente o contrato de trabalho de seus empregados, mediante convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo ou acordo individual. Nas hipóteses em que forem firmados acordos individuais, a proposta deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de dois dias corridos.

Seção 2 – Direitos das Pessoas Trabalhadoras previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas

Frente às dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores do Rio Grande do Sul em decorrência do desastre climático, é fundamental que todos estejam informados acerca dos seus direitos, em especial aqueles previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A seguir, serão relacionadas algumas garantias aplicáveis em situações de calamidade.

2.1 – Local de Trabalho Afetado
Nas hipóteses em o local de trabalho for afetado, impossibilitando o comparecimento dos colaboradores, o empregador não poderá efetuar descontos salariais, tendo em vista que a legislação prevê o abono de faltas nos dias em que não houver serviço, de acordo com o artigo 131, inciso VI, da CLT.

2.2 – Faltas Justificadas
A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 473, garante ao trabalhador o direito de se ausentar das atividades laborativas, sem prejuízo do salário, em determinadas situações. No entanto, a legislação não estabelece um limite específico para faltas por motivo de calamidade, sendo que o afastamento das atividades regulares dependerá da gravidade da situação e do tempo necessário de regularização das condições.
Sendo assim, os trabalhadores diretamente afetados devem comunicar previamente seus empregadores acerca da impossibilidade de comparecimento ao trabalho. Nesse sentido, visando comprovar as dificuldades de locomoção enfrentadas e facilitando a segurança jurídica dos trabalhadores, a Defesa Civil dos municípios afetados pelas enchentes tem disponibilizado atestados para os atingidos.
Entretanto, sem previsão legal para afastamento remunerado em decorrência das enchentes, o documento não é abonatório de ausência e servirá apenas como justificativa para que a empresa, através de bom senso, adote mecanismos de flexibilização previstos na Lei n.° 14.437/2022, anteriormente mencionados.

2.3 – Descontos Salariais
Como já pontuado, enchentes e outros desastres naturais não constam na Consolidação das Leis Trabalhistas como justificativa para falta ao trabalho. Por isso, como regra geral, as faltas não são abonadas e o funcionário pode ter o salário descontado se não comparecer ao serviço.
No entanto, vale lembrar que o direito do trabalho é regido por princípios que protegem o trabalhador, de tal sorte que a não remuneração dessas faltas pode configurar retenção dolosa da remuneração, conduta tipificada como crime pela Constituição Federal[1], sujeitando o empregador ao pagamento de indenizações por danos morais e à restituição do valor em dobro.
As ausências decorrentes das enchentes constituem uma situação excepcional e, embora o abono dessas faltas não seja obrigatório, sua adoção pode ocorrer em um espírito de solidariedade e apoio mútuo.
Ademais, convenções ou acordo coletivos podem contemplar situações de calamidade pública, abonando ausências decorrentes das enchentes. É permitido, também, que empregados e empregadores celebrem acordos individuais para tratar dessas ausências, sempre resguardando os direitos trabalhistas e a boa-fé contratual.

2.4 – Justa Causa
É vedado ao empregador aplicar medidas punitivas aos colaboradores, como advertências, suspensão ou demissão, em virtude de ausências ocasionadas por força maior. Sendo assim, ausências decorrentes das enchentes não configuram justa causa para rescisão contratual.

2.5 – Força Maior
A legislação reconhece o conceito de força maior, conforme definido no artigo 501 da Consolidação das Leis Trabalhistas, como um “acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador”.
O reconhecimento da situação de calamidade pública no estado como força maior assegura aos trabalhadores o direito a indenizações especiais no caso de encerramento das atividades da empresa, conforme preceituam os artigos 502 e 503 da CLT.

2.6 – Orientações Práticas
Por fim, os trabalhadores que se sentirem lesados pelo empregador em razão da inflexibilidade da empresa na adoção de medidas de flexibilização das atividades, ou que tenham sofrido punições decorrentes das faltas ocasionadas pela impossibilidade de deslocamento, podem buscar orientações junto ao sindicato de sua categoria.
Ademais, é importante que o trabalhador afetado armazene, na medida do possível, documentos e registros que comprovem os prejuízos sofridos (como fotografias da localidade e da própria habitação, por exemplo), bem como as tentativas infrutíferas de negociação com o empregador.

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