Responsabilidade do Poder Público em Situações de Enchentes

Barbieri Advogados - Barbieri Capas Para O Site 2

26 de junho de 2024

A responsabilidade do poder público em situações de enchentes é um tema crítico, especialmente em um país com histórico de desastres naturais e urbanização desordenada. A administração pública, ao assumir a obrigação de proteger a integridade física e patrimonial dos cidadãos, torna-se responsável tanto por ações quanto por omissões que possam causar danos. A aplicação da Teoria do Risco Criado, defendida por Louis Josserand, sustenta que aquele que exerce determinada atividade deve responder pelos riscos inerentes a ela.

Capítulo 1: Responsabilidade do Município
A jurisprudência brasileira tem consolidado a responsabilidade objetiva do Estado em casos de danos causados por enchentes, especialmente dos municípios, que são responsáveis pela execução de obras de escoamento de águas pluviais.
Fundamentação jurídica:

  • Artigo 37 §6º da Constituição Federal: Estabelece a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados a terceiros.
  • Artigo 43 do Código Civil: Reflete a responsabilidade objetiva do Estado por sua ação ou omissão.

Jurisprudência:

  • Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 71008987034: Define que a omissão do poder público em casos de enchentes previsíveis não configura força maior.
  • Súmula 54 do STJ: Estabelece a responsabilidade civil do Estado por omissão como objetiva.
  • Recurso Inominado, Nº 50929042820198210001: Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública. Ação indenizatória por danos materiais e morais devido ao alagamento pelo deficiente sistema de escoamento das águas pluviais no Bairro Sarandi, Porto Alegre, em 2019. Danos morais fixados em R$ 8.000,00. Valor indenizatório mantido. Julgado em 25-04-2024.
  • Recurso Inominado, Nº 50405318820178210001: Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública. Ação indenizatória por danos materiais e morais devido ao alagamento pelo deficiente sistema de escoamento das águas pluviais nos Bairros Sarandi e Farrapos, Porto Alegre, em 2017. Danos morais fixados em R$ 5.000,00 e majorados para R$ 8.000,00. Julgado em 25-04-2024.

Elementos da decisão:

  • Omissão do ente público em adotar medidas preventivas.
  • Indenização por danos materiais e morais aos afetados.


Odete Medauar, renomada doutrinadora, enfatiza que “a responsabilidade do Estado por danos causados a terceiros, resultantes da ação ou omissão, é um dos fundamentos do direito administrativo contemporâneo, vinculada diretamente à ideia de que o Estado deve responder por seus atos”.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas ocasiões reafirmou a responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, destacando que “o Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo irrelevante a culpa” (RE 841526 RG).
Essas decisões e fundamentos teóricos destacam a necessidade de ações preventivas eficazes e a responsabilidade do poder público em garantir a segurança e bem-estar da população.

Capítulo 2: Responsabilidade da União Federal
Responsabilidades Constitucionais da União A Constituição Brasileira, em seu artigo 21, inciso VIII, atribui à União a competência para “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”. Entre essas diretrizes está a prevenção de desastres naturais, como enchentes. A União detém a maior parte dos recursos financeiros arrecadados através de tributos e, portanto, tem a capacidade financeira necessária para implementar medidas preventivas robustas.
Legislação Específica A Lei 12.340/2010 estabelece no seu artigo 1º que compete à União formular diretrizes para a prevenção de enchentes e criar um Fundo Nacional para Calamidades Públicas (Funcap). Este fundo tem como objetivo financiar ações preventivas e de recuperação em situações de emergência e calamidade pública. No entanto, no caso das enchentes de 2024, ficou evidente que essas diretrizes não foram implementadas de forma eficaz.
Omissão da União Durante as enchentes de maio de 2024, ficou claro que a União não tomou as medidas necessárias para prevenir o desastre. Diversos fatores apontam para essa omissão:

  1. Falta de Investimento em Infraestrutura: A manutenção e a modernização das infraestruturas de proteção contra enchentes, como diques e sistemas de drenagem, não receberam investimentos adequados. Segundo informações, não houve investimento no sistema antienchente de Porto Alegre em 2023, deixando a cidade vulnerável (Exame) (Metrópoles | O seu portal de notícias).
  2. Ausência de Planos de Ação Eficazes: A União não formulou nem implementou planos de ação eficazes para a prevenção de enchentes, conforme previsto pela legislação. A falta de um plano coordenado e de ações preventivas aumentou a gravidade dos danos causados pelas enchentes.
  3. Inação Frente aos Alertas Climáticos: Diversos alertas emitidos por órgãos de monitoramento, como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), sobre a possibilidade de fortes chuvas e enchentes foram ignorados. A negligência em responder a esses alertas de forma proativa contribuiu para a tragédia.


A jurisprudência e os fundamentos teóricos apresentados demonstram claramente a responsabilidade do poder público em casos de enchentes. É essencial que a população esteja ciente de seus direitos e das obrigações do Estado, especialmente em momentos de crise. Se você foi afetado pelas enchentes e acredita que houve omissão do poder público, é importante buscar orientação jurídica para entender melhor seus direitos e as possíveis ações que podem ser tomadas.
Para mais informações e suporte, consulte as decisões judiciais mencionadas e fique atento às políticas públicas de prevenção e mitigação de desastres. A responsabilidade do poder público é garantir a segurança e o bem-estar de todos os cidadãos, e a população deve estar informada e preparada para cobrar essas responsabilidades quando necessário

plugins premium WordPress